quinta-feira, 28 de junho de 2012

... Nos campos de trigo


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Nos encontramos na porta do café, ele se aproximou e encostou seu rosto no meu com sua barba por fazer, senti um calafrio que parou o tempo.

Se tudo estava parado, ele também, aproveitei a falta de testemunhas para pegar suas mãos, e seguir em direção as curvas do ante-braço, pra mim, a parte mais perfeita de um homem...a interseção do plano e do declive de uma onda não exagerada, mas tinha um rio como veia saltando, senti sua pulsação, e o tempo voltou a andar.

Olhou pra mim e pra porta do café, e pro outro lado...o larguei e fui andando porta a dentro. Me seguiu, não o via, mas sentia um hálito de lobo que fazia voar a ponta dos meus cabelos. Deixei...

Passamos por diversas mesas, de pessoas comportadas e humanas, e cada qual nos olhava discretamente com  medo e estranheza, como se fôssemos espelhos na frente de bichos. Sentimos seus grunhidos de feras aprisionadas que sentem o cheiro ...




Uma senhora contraiu sua mão, e escutamos sua unha ranger se arrastando sobre a mesa. Olhamos e ela apenas tomava chá de hortelã. 

Escutamos um barulho abrupto de batida sobre outra mesa, como se algo tivesse lhe pulado sobre, para ataque, mas era apenas um homem que olhava discretamente uma moça passar.

Sentamos na nossa...eu tenho medo de olhos que me prendem, e os dele, pareciam capitães do mato querendo caçar minhas pupilas negras. Então tentei fugir, olhava ao seu redor e contornava sua aura.

Me pegou pelo queixo, me fez encarar...arranquei suas mãos e me escondi de cabeça baixa, como criança, entre meus braços.

Senti mãos na minha nuca, me puxando sem pena pelos cabelos para me fazer olhá-lo, cogitei a possibilidade da Medusa ter tido um filho, temi virar pedra, mas de seus olhos saltaram âncoras que puxaram os meus.

Ele me disse que não podia ser ali, mas não conseguia sair dali...

Então o mar circulou, apenas entre nossos rostos...raios de trovão, e tudo que estava em volta, aos poucos foi se dissolvendo, até um vendaval levar o que restava, ficando nós, mesa e cadeiras , flutuando sobre o nada.

Enquanto uma energia começava a circular no meu peito em direção à garganta...azuis nos circundavam, se diferenciando em diversos tons.

Passei a mão em círculos, no seu peito e esse movimento se estendeu ás variações ciano.

Encostou sua boca na minha, sentimos calor e ao nosso lado um sol, não "o" sol, um sol...calorosamente nos convidava para entrar nele, que já se encontrava em pinceladas revoltas como o resto.

Agarrado ainda ao meu cabelo, ouvimos um tiro e uma voz gritando, lá de baixo:

-Estou partindo depois de pintar o eco da natureza!!

Subimos na mesa, e nela agarrados, pra "fora" olhamos, e vimos um homem ruivo correr banhado de sangue, se distanciando de nós e do chão com um cavelete e uma maleta de tintas.

Não havia de novo, testemunhas e pegamos os pincéis que pairavam pelo ar. Ele pintou, ainda em ondas circulares, o bico do meu seio esquerdo, enquanto eu esmagava um tubo de tinta preta, a arranhando pelas suas costas, elas ficaram rajadas de preto, mas se transformavam em cores de tatuagens.

Assim nos colorindo, de joelhos, sobre a mesa, com o pó de nossas roupas que haviam se desfeito... ele disse no meu ouvido que queria se pintar de vermelho mas a tinta estava seca, começou então com suas mãos a recolher meus líquidos para se pintar.

Eu não queria mais pintar, queria sentir algo que eu pudesse pegar com as mãos, sem ter a sensação de que a matéria na vale nada.

Peguei a matéria, e como nunca, pois sempre a achei vã, colquei dentro de mim.

Nossos movimentos provocavam mais ondas no céu, nossos arranhões abriram nossos corpos e deles brotaram  pássaros em revoada, escutávamos seu barulho saído de dentro, como se ficássemos vazios, carregando a alma pra fora.

Gemidos faziam esses pássaros disparar em revoada ao nosso redor, bicavam nossa pele nos fazendo gritar...e gritamos...e em um determinado momento, deixamos nossos corpos, e nos vimos, distantes, de fora...um grande campo de trigo, com o céu azul, corvos em revoada e sol do gênio que já se foi...suspiramos...

Abrimos os olhos...o garçon colocou o cardápio na mesa e nos informou que o buffet, já estava aberto e podíamos nos servir...e assim o fizemos, sob os olhares estranhos dos homens e das mulheres famintas. Que não trepam nem como bicho, nem como deuses, e se matam, encarceirando seus pecados e seus sonhos, tentando apenas serem normais.





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