domingo, 1 de abril de 2012

Masmorra


Me coloquei em uma masmorra, única moradora de cela.

Algemas me prendem pelos braços, mas consigo ficar de pé, sentar e sonhar.

Sou alimentada diariamente a pão e água, mas nada alimenta meus pecados, e o máximo que eles conseguem suportar a fome, é exatamente 3 semanas, 21 dias...se passaram 22...

Não ser tocada por tanto tempo, me conduz a total loucura...grunhidos saltam de minha garganta sem com que eu tenha força para contê-los. Me sinto vermelha, inflamada e pulsante, não dá para dizer que não estou viva.

Eu cheguei nesta prisão, totalmente inocente, quase santa...fui virando um bicho, minhas roupas se desgastaram, meus cabelos de lisos, passaram para uma grande quantidade de nós, impossíveis de desatar, caindo sobre o meu rosto, por vezes eu lambo suas pontas, como sendo a única matéria que se aproxima, de algum buraco meu.


Cada dia mais bicho, passei até a reconhecer cheiros, cataloguei 123 cheiros, e um determinado dia, se aproximou um odor desconhecido.

Um cheiro cítrico e forte, mistura de suor, lágrimas e gotas de Onan...que me fez o que parecia já impossível, perder mais ainda os sentidos humanos e me aproximar dos mais primordias, que fazem o cachorro encontrar a cadela, que está a cerca de 1km de distância, e vice versa.

Passei alguns dias arranhando as paredes, nos momentos em que esse veneno rémedio pareciam aumentar minha tensão. Minhas costas começaram a ficar feridas, pois sem controle algum eu me esfregava nas paredes da masmorra, com tanta força, que na altura de onde brotam meus oceanos, ela ficava mais desgastada.

Cada dia mais desgatadas, comecei a ouvir barulhos que vinham do outro lado da parede...no início, repetíamos batidas das algemas, para ter certeza da cumplicidade.

O tempo foi passando, passando, os cheiros mais fortes, mais batidas na parede, e de tanta areia e pedra que já havia ido ao chão. Em um determinado momento, comecei a ouvir uma voz bem grave, que se contorcia em gemidos, grunhidos e monossílabos sem nexo, quando em um conjunto de eventos hormonais, se iniciava com a acentuação do cheiro.

Então começamos a conversar, mas de tanto tempo encarceirados, nenhum dialeto fazia sentido, que não onomatopéias que geravam explosões de prazer.

Mais alguns dias, uma pequena fenda se abriu, e na hora em que contorcida, ali encaixei meu olhar, dei de cara com olhos negros, uma íris brilhante e rajada de tons diferentes de ébano, cercado de molduras de cílios, que piscavam mais lentos do que meu corpo.

Então passávamos horas nos olhando, às vezes ele se afastava na medida do possível para eu ver mais de seus pedaços, às vezes eu fazia o mesmo.

O buraco dava para eu focar o universo em meio a cochas fortes e peludas, e eu passeava meus olhos por todo seu corpo, tendo como centro sua boca já rachada...

Trocávamos e eu me afastava também na medida do possível, ele me pedia malabarismos de forma que ele conseguisse visualizar a parte rosa, do centro de minhas flores. Por isso, seu corpo foi adquirindo a aparência de sua boca seca, e eu aguava toda vez que via a natureza se desperdiçar.

No decorrer de mais algum tempo, a parede já estava desgastada de certa forma, que começamos a sentir nossa pele na altura das ancas. Passamos alguns dias nos exercitando involuntariamente, contorcionismos que facilitassem aumentar e girar os pontos de contato.

Um dia conseguimos nos encostar de forma satisfatória, e eu senti um contato quente e côncavo, que já começava a brotar da parede, tal qual ávore em terreno regado. Nesta altura, sequer nos sentíamos castigados ou limitados.

O buraco foi se abrindo, o tronco crescendo, e finalmente com um raio maior de abertura, conseguimos ser neandertais na beira de um lago. Muitas vezes.

O tempo e a prática, nos ajudaram a encontrar posições impossíveis, e nenhum buraco podia ser desperdiçado, e não foi.

Os capatazes não estavam nem aí, visto que o espetáculo ainda os servia de diversão.

A parede ruiu, porém nossas algemas, de cada lado, eram aparafusadas umas nas outras, e já dava para cavalgar de todas as formas, sendo que a que mais favorecia a liberdade, era quando eu sentava sobre ele, de costas e de cócoras, variando em ficar abaixada agarrada aos seus dedos dos pés, a ponto de quase sangrar as mãos na tentativa de manter distância, ele se contorcia em gemidos, tendo a visão panorâmica de um descer e subir, mostrando e escondendo seu corpo, completamente úmido pelo limo das minhas encostas.

Eu evitava um determinado movimento, cuja trava poderia colocar tudo à perder, terminando a brincadeira antes da hora.

Os lacaios sumiram, e não sei o que houve no castelo, que estava abandonado com todas as suas portas abertas, então saímos, andando do jeito estranho que as correntes nos permitiam andar.

Irrompemos a mata, e não passávamos por ser humano algum, que pudesse ou nos soltar, ou nos convidar para o convívio, então, nada restou senão testar nossa natureza, estando sobre diversos elementos, rios, pedras, limos, lodos...

Até que um dia encontramos uma aldeia. Era bem organizada e tinha ferreiro, ele nos desatou, nos deram roupas, e passamos alguns dias acostumando com a idéia que que essas algemas não mais existiam.

Mas os homens e mulheres da aldeia, nos olhavam como seres estranhos, como se fosse para nós, impossível abandonar os cheiros que a repetição dos instintos nos gerou. Como se fosse para eles impossível, conviver conosco, sem com que suas naturezas, se aproximassem das nossas.

Então, num surto coletivo, começaram a produzir algemas em pares, e se prendiam sem com que ninguém os cobrasse disso, e foram cada vez mais se aproximando de nós, visto que ultrapassamos o fato de sermos seres sexualmente atuantes, quanto o ato do voyerismo aguçou mais nossos sentidos. E como regentes livres, todos os nossos atos e prazeres eram copiados, desaprenderam o que chamavam de "fazer amor", e aprenderam a "fuder" no sentido mais literal da palavra.

Um dia cansamos de assistir tudo aquilo...o estúpido do ferreiro, havia também se algemado. Os largamos ali, presos e limitados como já fomos um dia. Como se ainda fossem macacos sobre as árvores.

Partimos, então lembramos dos nossos caminhos, onde em cada momento  sentimos nossos corpos de uma forma melhor, olhares mais aguçados, maturidades para aguardar o prazer...saímos das masmorras, nos embrenhamos nas matas, nos misturamos na sociedade, e começamos a subir uma enorme montanha. 

No topo, um vulcão a ferver, nós agarrados de cócoras a duas pedras, uma de cada lado...desceu a lava, que envolveu nossos corpos, e sequer sentimos o queimar de pele, que casou o prazer do sexo com o suspiro da morte...e lá se vai a última de nossas algemas...fica o mistério se os espíritos existem, se são livres, e se são capazes de sentir prazer




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