sábado, 1 de dezembro de 2012

Maschera nobile de Dracena


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Ninguém pode conceber o que se passa pela mente de uma mulher discreta. Ahhh, se os homens soubessem o quanto é mais sensato confiar nas mulheres de gestos e de palavras safadas, e o quanto essas são menos voluptuosas e suas intensidades encerram com seus verbos...

Dentro das fêmeas silenciosas o inferno implode com força similar, mas direção contrária ao vulcão de Pompéia...lavas descem e sobem contrariando a gravidade, então elas se calam, pois se abrissem suas bocas, não seriam mulheres, mas sim dracenas, soltando fogos a queimar tantos homens, quanto seus mitológicos maridos dragões já mataram, sem a expertise de saborear o gosto de seus petiscos. Elas, essas dracenas tem o requinte de saborear suas presas sem a exposição dos restos humanos...mulheres não precisam de troféus pra premiar sua feminilidade, precisam apenas do silêncio pra cultuar sua saciedade.

Uma ajudante comprimiu suas asas sob o espartilho, com um de seus pés apoiados em suas costas, a puxar os cadarços que foram amarrados e suas pontas deixadas a cair pelas suas reentrâncias, a fazer cócegas no caminho até o início do centro da nágeda, esta ladeada por dois pequenos côncavos...furos que não são ousadia do lombo de todas as mulheres...informação a parte de sua fantasia, é que quando um homem conhece esses orifícios laterais, aparentemente sem propósito algum, passam a olhar para mulheres de costas retas, de lombos menos salientes, como rostos redondos sem olhos, como corpo mutilado, como morada de seus membros, sem janelas.

Antes sua falta de alegria era expressa em suas roupas, que não permitiam a contemplação de suas curvas e estradas, tão pouco percorridas, por um número de motoristas demasiadamente sensatos, cujos dedos de sua mão esquerda eram necessários com boa sobra, para contar. Sim, estradas não virgens, mas praticamente abandonadas...caminhos que desconheciam destinos, perigos ou prazeres que uma viagem pode vir a oferecer...

Mas...tecidos verdes acetinados fizeram do seu corpo, antes estrada a esmo, se transmutar em montanhas russas vorazes, daquelas que chamam a quilômetros de distância, rapazes famintos de adrenalina, para sob seus trilhos as suas bases friccionarem.

O espartilho havia feito o seio vazar pelo decote de rendas brancas, tal qual colarinho de chopp escorrendo pelo copo, a saia com sua armação acentuava a todas as ondas e na frente, terminava antes do meio da perna, exibindo pequeno pedaço branco da anágua, e uma meia fina 3/4 preta, costurada por trás, era finalizada por um enorme salto fino recoberto pelo mesmo tecido do vestido.

A Dracena dessa história se olhou no espelho como se fosse a primeira vez, no momento em que sua natureza necessitava vivenciar os seus instintos potenciais. Então ela se contemplou como um quadro que levou anos pra ser pintado...Flores verdes e vermelhas cercavam os cabelos, antes lisos, feitos agora em ondas como um imenso mar negro sendo atormentado pelos vendavais, emoldurando a sua pele pálida que passou a servir de paspatur pra composição dos seus olhos...o triste é que apenas ela não era capaz de enxergar o seu colorido, e sim, apenas as suas formas em tons de cinza.

Mais uma olhada no espelho antes de sair, ela em relances viu as flores de seu cabelo intercalar entre cores diversas, que ela desconhecia do que se tratava, mas sua vista em fase de modificação, repentinamente passou a enxergar as formas como sendo vistas sob as lentes de um artista, encharcado pelo absinto.

Então ela se transformou na própria obra, nunca antes destacada por tantos contrastes de cor ou de sensações, chegou a hora da exposição em que ela vai se apresentar ao deleite dos expectadores, famintos por capturar e adentrar em criações que eles não nasceram com o dom de criar.

Então, ela com suas asas escondidas pela realidade, e com todo esse seu fogo a anos aprisionado, pede consentimento à sua fantasia, para a primeira vez na vida, libertar suas labaredas com a ajuda do seu anonimato, protegida pela maschera nobile.

Ela entrou na casa que abrigava um Carnaval pra poucas e estranhas pessoas, se tudo antes já era naturalmente estranho, ela agora com sua percepção visual aumentada para sua nova forma de enxergar as cores, se sentia como que rondando o caos, presenciando a formação dos primeiros gases ou em outra dimensão desconhecida pelos homens.

Por onde as pessoas passavam com suas fantasias coloridas, ela vislumbrava um rastro de luzes neon a seguir cada mascarado, e a frente de cada um destes, rastros cor de fogo indicando a direção que o folião iria seguir, antecipando seus caminhos de alguns segundos à frente. 

Anonimato garantido, era a maior atração desse encontro, sabe-se que antes dessa festa, nenhuma outra havia ocorrido com esse mesmo caráter, turista recém chegado que vinha transformando sua estadia em um grande mistério, anunciou o evento como uma oportunidade de se integrar com a comunidade aristocrata local. Prefeito, advogados, chefes de ministérios, artistas e diversos segmentos de pessoal com uma pretensa importância para a cidade, estavam ali pra matar suas curiosidades.
O anfitrião já se encontrava pelo salão, com seu porte misterioso e obviamente sem exibir seu rosto, procurava agradar seus visitantes, fazendo reverência a cada um deles. Parou no meio do salão, bateu palmas em sequência de estampidos altos e regulares, e saíram de diversas direções, garçons com bandejas diversas, repletas de drinks cuja cor se diferia de acordo com cada garçon, todas liberavam pequena fumaça, emanando do líquido fluorescente de cada uma das cores...7 garçons conduziam arco íris segmentado e diluído em bebidas com gostos diversos.

O amarelo tinha o gosto amarelo da inveja, o vermelho o sabor acre da luxúria, o laranja era doce como a gula, azul encharcado de avareza, o roxo anoréxico da preguiça, o verde gritante da vaidade, o líquido negro da ira.

Os convidados estáticos contemplavam a chegada desses drinks, como animais sendo atraídos pelo cheiro de feromônios, avançaram quebrando um pouco o protocolo de suas etiquetas, chegando por alguns momentos a quase vias de fato para pegar o último drink luxúria da bandeja.

O falatório foi cortado por uma música deslumbrante conduzida por uma orquestra que foi revelada ao abrir de cortinas, seus músicos também todos mascarados, apesar de tudo conspirar pra que estes parecem figuras insólitas e ensossas, vibravam e emanavam energias que se misturavam com suas músicas e todos viam...

...Sim! Todos viam, os sons passaram a emitir formas e cores como hologramas por todo ambiente...era como se houvesse naquele momento um céu paralelo ao salão, ou como se o sonho de cada um dos convidados estivesse sendo projetado na grandiosidade do ambiente.

A Dracena, que chegado a este momento, cada vez mais enxergava como que testemunhando a formação do universo ou o nascimento dos primeiros seres, se encontrava em estado de quase catarse, não sendo mais dona dos seus sentidos, assim como todos que ali estavam.

Parada no meio do salão começou a vislumbrar luzes como que se enrolando uma as outras, formando bolas de feixes de luzes, que a atraíam pra conferir o acontecimento, ao chegar perto do primeiro feixe e tendo que cerrar insistentemente seus olhos, por baixo de todo um emaranhado de cores, estavam dois mascarados, cuja procedência não importa...sobe uma pequena mesa de canto estavam seus corpos e suas roupas a uns dois passos de suas ações...antes mesmo de ver, ela ouvia suas respirações, gemidos e grunhidos que mais pareciam de bichos que de gente, outra mulher se aproximou e se juntou a cena.

Esse clima começou a se reproduzir em cada um dos cantos da festa, em um dos extremos, dois homens se digladiavam pois nenhum dois dois queria abrir mão de consumir a sua presa, porém a presa se infiltrou no meio desses dois, proferindo um: Onde duas bocas se alimentam, três se saciam...a diplomacia resolveu o dilema, coisa que em outros focos da festa não foi possível por isso alguns corpos jaziam desacordados pelo chão.

Ali estava toda aquela gente soberba, se engalfinhando como bichos capazes de dançar valsa, ao som da música que se tornava cada vez mais intensa e exótica.

Não haviam critérios de composições de pares ou trios de acesso ao prazer, era o que estivesse mais por perto e de mais fácil acesso. Todos os mascarados, sob a cabeça de alguns se fitava espessas cabeleiras brancas, se via pedaços de peles novas, trechos de peles enrugadas, alvas, caucasianas, negras...toda humanidade ali estava representada.

A Dracena e anfitrião apenas passeavam pelo ambiente conferindo cada uma das cruzas, demonstravam ser os únicos com controle de seus atos durante esse carnaval e por isso silenciosos e serenos, fitavam o espetáculo como uma platéia de dois. As bebidas continuavam chegando, e a fome e a sede dessas pessoas parecia não ter fim.

O anfitrião parou na frente da Dracena, abruptamente sacou do bolso de sua calça um punhal dourado, com ele cortou um laço que prendia uma parte de seu cabelo fazendo as flores escorregarem para o chão junto com o laço, de supetão a pegou pela cintura e a virou de costas...com a habilidade de um açougueiro fez dois cortes verticais rapidamente nas costas do seu vestido, onde de cada lado corria um filete de sangue, suas asas pularam pra fora, com classe, tirou o seu paletó, desamarrou sua gravata e arrancou sua camisa, suas imensas asas se estenderam em comprimento uma pouco maior do que o da mulher. Em mais alguns malabarismos com o punhal, fez seu vestido cair jundo como o espartilho...a deixando apenas com a meia 3/4 e seu salto verde. Por último, um removeu a máscara do outro revelando seus olhos vermelho brilhante como rubis.

Parados olhando um ao outro, foram aos poucos se transmutando e suas peles assumindo o mesmo verde do cetim que encobria o À volta deles dois, os convidados tentavam gastar suas últimas forças pra comer o banquete até o roer dos ossos. Já estavam todos bem alimentados e regados de bebida. 

Era a vez do anfitrião aproveitar da sua festa, se embolaram os dois, formando o maior dos feixes de luz da noite, cabelos negros esvoaçantes, olhos brilhantes, gritos, grunhidos, sussurros gemidos, estrada tortuosa trafegada, montanha russa desenfreada...inertes os convidados tentavam contemplar...os dois voavam juntos de um lado para o outro, se esbarravam em lustres, puxavam cortinas, giravam no meio das imagens dos sons e dos sonhos.

2 comentários:

  1. É o conto mais lindo e luminoso que li este ano. Adoraria ter uma graphic novel com o seu texto... ah se eu soubesse desenhar.... por enquanto, contento-me com a imaginacao despertada pela harmonia das suas palavras. :-)

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